Subíamos a avenida Amazonas em direção à Afonso Pena, já próximos do cine Brasil. Estávamos de mãos dadas e apreciávamos os prédios ao redor. Interessante, precisei estar ao lado dela, uma estrangeira, para reconhecer a arquitetura dessa cidade. Ela apontava e dizia: este é art deco, aquele, neoclássico.
– Recomendo a você, que lê distraído: saia com os olhos atentos para a paisagem urbana e mantenha-os voltados para o alto; você vai se impressionar com os recortes do tempo espalhados por aí.
Num certo momento, olhamos para a frente, naquela de conferir o caminho, para não tropeçar. Flash! Um luminoso clarão e estrelas piscavam em nossos olhos. Quando a imagem começou a se formar e minha retina, uma mão entregou-me uma foto.
Olhei para ela. Estava tão perplexa quanto eu. Seu corpo, imóvel, e seus olhos, vidrados. Movi o braço e percebi que não estávamos mais lá. Pude apreciar nossos corpos fixados na foto em preto e branco. Ela ardia entre meus dedos e queimava os olhos de quem a visse. Certa vez, alguém me disse que os índios não gostam de fotografias, acreditam que lhes roubam suas almas.
Quando voltamos a caminhar, algo se esvaziava dentro de mim. Sentia-me personagem de algum romance não lido. Ela, atraída pelos cartazes de cinema, falava de uma cena qualquer entre Mickey Rourke e Faye Dunaway, afixada junto à bilheteria. Não dei atenção ao assunto. Joguei fora a foto amassada como uma bola de papel. Minha imagem naquela 6 x 9 já não me pertencia.
Nas redondezas, um falso índio falava sobre raízes miraculosas para cura de todos os males. Não entendi por que pensei na ingenuidade daquele homem, que tentava vender a idéia de um sonho de beleza e saúde. Para mim, tudo se assemelhava a uma sensação anestésica. Diante da minha imagem ao lado de uma estrangeira, numa foto largada para trás, senti-me engasgado com a impressão de que as palavras dizem quase nada.
Álvaro Andrade Garcia