Qual seria melhor que a sensação do vento varrendo a rua? Uma observação rastejante, onde a brisa alisa e recolhe restos. Uma minuciosa escatologia, revirando tampas de guaraná, folhas de jornal. Uma pirueta com o folheto do candidato a prefeito.
A alma vazia é como um pote sem lastro, uma canção de notas únicas e distintas. Uma espécie de canto chão. A melancolia noturna lhe atrai, é melhor sofrer quando as cores estão menos decididas.
Viro o quebra-vento e deixo bater direto no rosto a sensação, sempre ela, vagarosa e morna, quase fria. A alma vazia é um poço de águas quietas. Um pasto bem sem limites. Onde a cerca existe não é.
Passam lascas e fios. Letreiros, fachos azulados e vermelhos, umas vozes. Tremenda solidão essa, entre as outras. O coração é um vaso de barro vermelho. A alma está encolhida. E a saudade agora é uma ausência inteira.
Quando se move, sussuram vozes. Nunca se escuta, nem se entende, apenas uma mão que transtorna os órgãos, e que esteja dentro. O coração sufocado, as vísceras torcidas, o fígado abalroado. Pulmões cheios de sangue. Uma bolha de ar presa entre ossos, prestes a sair pela boca ou num estouro dos olhos. A pele reveste uma paisagem pálida, cheia de gases sem perfume.
Álvaro Andrade Garcia