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saudade

Crônica sobre o quadro Saudade de Nello Nuno.

Publicada em http://blogdonello.blogspot.com.br/2012/08/saudade-nello-nuno.html e no livro Nello Nuno – A Poética do Cotidiano de Márcio Sampaio.

O quadro era quase todo uma mancha verde. Vários tons dessa cor, sobrepostos com vigorosas pinceladas, formavam uma gradação que partia da cor mais escura embaixo à mais clara na parte superior da tela. Dessa forma os planos ficavam aparentemente confusos. Mas a impressão que se tinha era de que o primeiro plano continuava por algo que seria uma janela, dando para montanhas ao fundo. Algumas pinceladas brancas, em forma de retângulos e triângulos, pareciam indicar uma cidade no canto superior esquerdo. Atrás dela, uma porção verde-oliva: as montanhas. No canto superior direito, o verde escuro das porções inferiores dava a impressão de haver algo tenso, inexplicável. Nas proximidades dessa mancha, um velocípede e uma planta davam um ar de familiaridade à cena. Finalmente, algumas pinceladas vermelhas no centro da tela, um pouco à esquerda, formavam algo entre uma grade e as chamas de uma fogueira. Reunindo o branco e o vermelho, em proporções mínimas, diluídos no verde, o artista conseguiu transmitir uma estranha sensação de leveza. Ao mesmo tempo, detalhes como uma fissura ao longo do centro de gravidade da cena ou o imobilismo do velocípede remetiam o observador atento a um estado de primitivismo e até mesmo de ausência.

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Revolução digital e literatura: novas relações entre leitura, escrita e autoria

Revolução digital e literatura: novas relações entre leitura, escrita e autoria

Texto publicado em
http://www.goethe.de/ins/br/lp/kul/dub/lit/pt8457823.htm

No mundo dos aplicativos e dos tablets, escritores e leitores criam novas formas de relação com a literatura. Sem querer anunciar o fim do livro-texto ou da prosa longa, está claro que “ler e escrever” ganham novos significados.

São muitas as questões inspiradas pela revolução digital em curso nas últimas décadas. No mundo da literatura, as alterações trazidas pelas novas tecnologias atingiram primeiro o plano da produção do texto, ou seja, da escrita. Escrever no teclado é hoje algo praticamente considerado uma “segunda natureza”, tanto que em algumas regiões dos Estados Unidos o ensino da letra cursiva está em vias de extinção, com sua substituição nas escolas pela aula de digitação.

Se o teclado substitui a caneta, com o avanço dos laptops e com o aumento de conteúdos disponíveis na internet, a leitura em telas passou a fazer parte do nosso cotidiano, roubando-nos o tempo dedicado aos livros em papel, ao mesmo tempo em que a leitura passa por transformações e sofre a concorrência direta de outras atrações midiáticas cada vez mais presentes nos computadores.

Cenário brasileiro

No Brasil, apesar de nossos baixos índices de leitura, assistimos a uma rápida e poderosa expansão do número de computadores e do conteúdo disponível de textos na rede, especialmente em português. O país ocupa a terceira posição mundial em venda de computadores, abaixo apenas dos EUA e da China, sendo a metade de notebooks. Temos hoje 74 milhões de pessoas conectadas na internet. Para um país que tem poucas livrarias, considerando seu número de habitantes, essa notícia ganha importância maior que em outros lugares do mundo.

Os tablets também se aproximam gradualmente, embora, enquanto nos EUA 10% da população adulta já tem um leitor digital, no Brasil sua presença nas ruas ainda é tímida. A banalização em curso desse tipo de equipamento é, contudo, óbvia. Serve como exemplo a estratégia de marketing de uma das principais revistas do Brasil, que oferece um tablet a quem assinar a publicação. Há escolas e universidades fazendo o mesmo para aqueles que se matriculam.

Livro: objeto de desejo

Enquanto os limites ecológicos ligados à indústria do papel tornam os livros cada vez mais caros, no meio digital ocorre o contrário, com equipamentos tendencialmente mais baratos, capacidade de armazenamento maior e menor consumo de energia. Ou seja, a migração de boa parte do papel para o digital é inevitável. Um veredicto que não implica em querer decretar o fim dos livros “convencionais”, que provavelmente se transformarão num nicho de mercado, com espaço para produções especiais e elaboradas.

É provável que livro em papel se torne um objeto de desejo, apto a sobreviver em publicações de obras que tenham na plasticidade um elemento fundante, como nas edições de arte. Em outros setores é provável que o papel seja totalmente substituído. A Coreia do Sul, por exemplo, terá todos os seus livros didáticos editados em tablets já no ano de 2014.

Fronteiras desfeitas e indefinição de novos limites

No entanto, o digital transforma a leitura e a escrita de uma forma muito mais profunda do que pela simples substituição das gráficas e do papel: ele muda nosso entendimento do que seja “ler e escrever”. Num futuro próximo, teremos novas formas de expressão e novos lugares para a literatura, que por sua vez vai se transformar e se recompor em combinações com outras formas de arte.

Vivemos uma época onde as fronteiras conhecidas estão sendo desfeitas, os contornos estão borrados e novos limites ainda não estão definidos. Mas creio que existirão e serão cada vez mais específicos: cada obra e cada conteúdo exigirá muito mais de autores e editores, uma vez que os recursos disponíveis para materializá-los aumentam em número e complexidade.

Interseção com outras linguagens

Se antes baixávamos um livro em formato e-book ou pdf, agora temos os apps para termos o mesmo material nos tablets. Um app é um software. O que ele pode conter? Praticamente tudo. Textos falados, escritos, imagens, sons, interações em diversas camadas. Nós, escritores, seremos estimulados a trabalhar próximos àqueles que conhecem outras linguagens com mais profundidade. O que não elimina o livro-texto ou a prosa longa, e sim traz a possibilidade de fazermos obras novas em termos de expressões artísticas.

Provavelmente, em poucos anos teremos novo tratamento para algumas obras em papel, que atingirão certa aura de preciosidade e serão produzidas em tiragens reduzidas e exclusivas, tornando-se objetos remanescentes do passado, como hoje ocorre com os discos em vinil. Mas o que mais empolga é ver surgir novos formatos para as obras literárias, que são escritas e lidas simultaneamente online, se integram ao audiovisual e podem ser lidas por comunidades, que também participam dos seus desdobramentos enviando conteúdos e feedback.

Chamo os livros eletrônicos de “livres” justamente por trazerem em sua constituição a capacidade de agregar novas características ainda pouco exploradas, como crescimento rizomático, animação, criação de novas linguagens e interatividades muito mais sofisticadas que as atuais. Um cenário tão movimentado quanto confuso, no qual cabe a escritores, artistas, editores, jornalistas e produtores culturais desvendar as novas possibilidades e fazer as escolhas certas.

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kooyanisqatsi e eu

Memória de um filme que marcou para o jornal 10 Faces.

Kooyanisqatsi: life out of balance (vida em desequilíbrio)
direção de Godfrey Reggio, trilha de Philip Glass, 86 minutos, 1982

por Álvaro Andrade Garcia

Quando uma imagem vale mais que mil palavras ou seria, quando uma imagem suscita mais de mil silêncios, ou talvez fosse assim: mil imagens mostram uma mesma palavra.

Vi e ouvi Kooyanisqatsi pela primeira vez por acaso. Estava em São Paulo, vivendo um conturbado momento da minha vida. Entardecia, eu caminhava pela Augusta, andando a esmo, quando vi o cartaz do filme e resolvi entrar no cinema. Eu tinha um bom motivo para encarar aquela palavra entoada no filme de forma mântrica… kooo yaaaa nis qatsi. Ele foi escolhido o melhor filme pelo juri popular da Oitava Mostra de Cinema de São Paulo, naquele ano de 1984.

O que se passou naqueles 86 minutos, diante de pura música e imagens em sucessão, o tempo todo com a temporalidade alterada. Gravações quadro a quadro durante longos períodos de tempo (time lapses), slows e fasts, um crescendo de velocidade nos movimentos, pausas precisas em slow sobre as faces das pessoas, o sentimento através do gesto facial, e voltavam os engarrafamentos, a vida in the box da metrópole, seus óbvios movimentos, repetitivos e pixelatadados. Uma sinfonia com acordes e arpejos acompanha tudo isso. Um som preciso e totalmente integrado com as imagens. Músico e diretor trabalharam anos juntos nisso.

Sai do cinema em estado de choque. Já era início de noite. E as luzes da cidade, o trânsito, os prédios, tudo me jogava de volta ao filme. Era como sair de uma história que se passou na tela e encontrar ela outra vez ao seu redor, por toda parte, um contrário do que acontece em Rosa Púrpura do Cairo. E se eu já estava desequilibrado ao entrar, sairia completamente fora do eixo. Fui direto para a rodoviária e embarquei para Belo Horizonte, como se isso fosse resolver alguma coisa… e, bem, nunca mais fui o mesmo.

Há filmes assim, livros assim, discos, pessoas. Há momentos em que imagens nos despertam, como se fossem a peça que faltava para fechar o quebra-cabeça, catalizam, transformam cobre em ouro, adensam um pensamento que ainda era confuso e esparso. Depois de passar por elas, já somos outra pessoa, mesmo sem compreender por quê ou mesmo como.

Depois, revi o filme diversas vezes ao longo das décadas seguintes. E posso dizer que aí, além de me transformar, ele virou uma influência, de nova linguagem, sobre dizer o essencial. Como um filme sem diálogos ou texto podia dizer tanta coisa? No final do século 20? Persigo várias ideias cinematográficas que aprendi no filme, penso e escrevo sobre a experiência de viver nesse mundo urbano, nas grande metrópoles contemporâneas, imersos em tecnologia, cada vez mais distantes do ritmo natural.

Sei que os americanos ainda não estavam tão gordos, nas inúmeras cenas de rua e metrô. De resto, o enredo continua bem atual, de 1982 a 2011, as imagens já estavam todas lá: as centrais nucleares, as minas exaurindo a terra, a metrópole, os engarrafamentos, a vida in the box da grande maioria da população mundial.

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o grande irmão made in China

O sistema global de vigilância americano ficou em destaque estes últimos tempos, mas não esconde o explícito sistema de vigilância dos cidadãos e censura que o governo chinês usa.

Esta semana, um consórcio de jornais publicou reportagem sobre os trilhões de chineses, especialmente ligados à cúpula comunista, depositados em paraísos fiscais.

Imediatamente os sitse de todas as publicações foram retirados do ar na China.

http://brasil.elpais.com/brasil/2014/01/22/internacional/1390376990_300941.html

http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/01/sites-ficam-inacessiveis-na-china-apos-denuncia-sobre-fortunas.html

Para a gente ter uma noção da coisa, o sistema americano emprega dezenas de milhares de pessoas para monitorar a internet, na china, vejam aí são dois milhões de pessoas só para fiscalizar os concidadãos.

(em inglês)

http://www.cnn.com/2013/10/07/world/asia/china-internet-monitors/

E tem gente que ainda acha que o grande irmão é uma invenção literária.

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quanta vigilância a democracia suporta?

Richard Stallman, o grande mestre do software livre, nesse artigo de opinião percorre as principais questões que envolvem privacidade. Uma aula sobre o que deve e pode ser feito para nos proteger do grande irmão, em várias áreas, e de forma técnica e precisa.

(texto em inglês)

http://www.wired.com/opinion/2013/10/a-necessary-evil-what-it-takes-for-democracy-to-survive-surveillance/

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tudo que o google sabe sobre você

Muito se fala da montanha de informações que as grandes empresas da internet acumulam sobre nós. E a maior delas, o Google, pelo menos nos permite ver o que eles tem guardado sobre nós. Não só isso, mas podemos fazer backup para nossa máquina do que se encontra lá, e também apagar tudo ou parte dos dados. Isso já é um grande avanço, já que o facebook, por exemplo, não nos permite salvar localmente nossos dados. Se quisermos, temos que entrar página por página e copiar. O interessante é que antes isso podia ser feito…

Então, vamos lá, que tal dar uma olhada nos seus dados acumulados a partir de buscas, uso dos mapas, e demais serviços. Lembre-se, esses dados se referem à sua conta no Google. Conta que cria quando usa o G+ o Gmail, e não menos importante, seu celular ou tablet Android. Todos usam uma conta Google.

Para ver é simples, você se loga no Google e estando logado digita: https://history.google.com/history/

Você terá uma surpresa vendo o que existe guardado sobre você. E aquilo que não quiser, pode mandar apagar. Pegamos essa dica da Wired, depois que o autor de um texto apagou tudo seu, quando soube que a nova política de privacidade do Google avisava que ia integrar todos os dados e torná-los disponíveis para uso em todas as aplicações e para publicidade…

Ah, e sempre vale a dica, quando não for usar mais serviços Google, saia, pois o default é que você continua com eles, mesmo acessando outros sites… o mesmo vale para o Face e outros serviços.

 

 

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que tal usar seu tempo como dinheiro?

Em tempos de bitcoins e outras modalidades de moedas digitais, surge um interessante projeto que transforma seu tempo em ‘dinheiro’, permitindo a troca dele pelo tempo de outras pessoas. Que tal? Seria o tempo nossa última moeda? Há quem diga que talvez a moeda ideal fosse o joule, que tudo pudesse ser transformado na energia necessária para fazer algo ou envolvida numa prestação de serviços, e nós trocaríamos essa energia.

Aí está o site:

http://www.infomoney.com.br/minhas-financas/consumo/noticia/3146087/site-permite-usar-tempo-como-forma-pagamento

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facebook começa a perder os adolescentes

Estudos recentes dão conta de que os adolescentes europeus estão saindo do face para plataformas mais simples e diretas como o Whatsupp e similares. A eterna luta entre as gerações. Quando os pais pedem para ser ‘amigos’ dos filhos… está na hora de sair.

Em compensação… os estudos mostram também que os mais velhos entraram em peso no face nos últimos tempos. Antes, usavam apenas o careta e-mail.

http://tecnologia.uol.com.br/noticias/redacao/2014/01/16/facebook-perdeu-3-milhoes-de-adolescentes-entre-2011-e-2014-afirma-estudo.htm

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cai a neutralidade da rede nos EUA

O ano começa mal, com a queda da neutralidade da rede em recente julgamento nos EUA. Sem a neutralidade, os provedores poderão escolher quais dados priorizar e quais retardar, privatizando o espaço da internet e mudando sua mais importante característica. A briga promete ser boa, com ativistas, empresas de internet e grupos defensores da rede se posicionando contra as grandes corporações de telecomunicações. No Brasil não é diferente, a pressão das teles é no sentido de dar a elas esse poder. Mas uma vez que a onda pega, a internet não será mais a mesma.

http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/01/1397833-cai-neutralidade-da-internet-nos-eua.shtml

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como concentrar em época de dispersão

Muito se tem falado e comentado sobre o aspecto dispersante das novas mídias e seus impactos na concentração, fundamental para a cognição e atividades intelectuais mais profundas, como o estudo. Uma entrevista da BBC traz um pequeno diagnóstico disso e dicas para evitar uma mente rasa.

http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/
2013/11/131122_entrevista_rosen_concentracao_pai.shtml?s