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O roubo do século

Atenção pessoal, roubaram o futuro! É, não há mais amanhã. O presente termina hoje, não vai mais continuar nas horas subseqüentes ou nos próximos anos. Se vocês quiserem, a partir de agora, continuar qualquer coisa, só para trás, o passado ainda não foi levado. O que afinal é um grande alívio nesse momento de desânimo. É verdade, ainda podemos dizer: “como era bom viver naquele tempo”. Frases como: “amanhã tudo vai mudar” estão totalmente abolidas até que se esclareça o roubo. E é por isso que estou aqui, para averiguar; afinal, diacho, como é que alguém pode roubar o futuro e simplesmente sair por aí, impunemente?

Há algum tempo havia uma folhinha com os anos que se seguiam ao que estávamos. Hoje li no jornal que as de agora só andam para trás ou até, nem andam. A Editora Alfa-Zero fez um contrato milionário com algumas gráficas para produzir uma folhinha que repete hoje, com dia, mês e ano, infinitamente. Que loucura está esse mundo. Há algum tempo as pessoas falavam do que iam fazer no próximo mês, ou mesmo algo tão estarrecedor como o que iam fazer nos próximos anos. Agora ninguém mais fala nem do dia de amanhã! Será brincadeira? Tomara que não, sou um homem sério pra perder meu tempo assim.

É claro que para os lamentadores este roubo veio a calhar. Pela primeira vez suas desculpas esfarrapadas vão colar. Eu mesmo andei fazendo um pequeno glossário com as frases mais comuns e a explicação exata do porquê elas são agora verdadeiras. Vocês querem ver alguns exemplos? “O tempo está curto.” Óbvio, hoje é o último dia, não dá tempo para fazer mais nada. “As pessoas não conseguem se relacionar.” Esta então dava até sono. Agora não. Sem futuro as coisas todas acabam, ou seja, se um relacionamento é legal termina agora mesmo, se é ruim, tanto faz, acaba também. E a tal de “não há nada de novo no mundo”, típica dos deprimidos e reacionários. Essa agora tem nexo. Se o futuro foi surrupiado não há nada vindo de lá, conseqüentemente, nada de novo.

Ando pesquisando incansavelmente este roubo, busco pistas e tento chegar ao criminoso. Mas já vou avisando, não sou da polícia, só quero continuar, e se não esclarecer o que ocorreu, esta história aqui logo vai terminar. Este é meu problema insolúvel, começo a investigar o roubo hoje, mas as investigações não prosseguem, justamente porque não há amanhã. Assim nunca vou apurar coisa alguma. Vocês me entendem, a coisa é como os escândalos financeiros e os crimes do esquadrão da morte. E o pior, se amanhã não existe, logo concluo: esta minha preocupação com o roubo do futuro deve terminar hoje.

Álvaro Andrade Garcia

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