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Os bons alunos

Era considerado um radical chique pelos amigos. Ou seja, um indivíduo que aponta soluções exóticas para os mais diversos problemas contemporâneos, sempre com toques de sofisticação inimagináveis pelos comuns mortais. Contudo, ele jamais poderia imaginar, a surpresa que teria na quarta-feira.

Ele, um tipo magro e alto, com seus trinta e poucos anos muito bem vividos, agasalhado, e com os pensamentos longe das aflições do planeta, esperava o ônibus. Acostumado com o tradicional atraso da condução, esperava no ponto de sua pacata rua, quase esquina com a Conselheiro Penna.

Enquanto seu pensamento vagava na lonjura sideral, dois pivetes, sujos e quase sem roupa, se aproximaram. Assim que se deu conta das crianças, veio-lhe um sentimento imediato de compaixão. Fazia um frio lascado naquela noite. Didaticamente, evitou comover-se. A situação de miséria do país não lhe dizia respeito, mas, sim, ao governo, ao sistema e à sociedade.

Uma das crianças perguntou:

– O senhor não tem aí um trocado pra me arrumá? Preciso comprá pão pro meu irmãozinho.

– Eu? – exclamou em tom interrogativo, olhando para os lados, como se estivessem falando com outra pessoa.

– Só um trocadinho – disse o outro menino, fazendo a mesma cara triste.

– Claro que não tenho! Já disse. Vocês acreditam que alguns trocados vão resolver a situação de vocês?

Repentinamente, sem que nenhum dos pivetes compreendesse o que estava acontecendo, desandou a falar como se fosse um revolucionário discursando a seus companheiros. Falou dos problemas sociais do país e do horror que era pedir esmola e ser submisso. Inflamado elevou a voz e falou até enjoar. Concluiu:

– E acho isso, vocês não deviam ficar aí pedindo a nós o que roubamos e conquistamos durante séculos de dominação. O assalto é totalmente justificável do ponto de vista moral. Vocês deviam conseguir armas e nos assaltar de verdade. E mais, assaltem sem ter dó de ninguém, mesmo o mais bonzinho de nós burgueses, uma velhinha, por exemplo, na hora H, é contra vocês e sua classe.

Ainda atordoados com o discurso, os pivetes entreolharam-se e, num rápido e ensaiado movimento, sacaram suas armas. Os revólveres reluziam. Demonstravam estar em mãos hábeis. Seus tambores estavam carregados. O menor e de cano curto apontava para sua cabeça, e o outro, com o gatilho armado, para a barriga.

– É isso aí, cara, passa a maleta e a grana. E tira a roupa, vamo levá tudo.

Ele refutou:

– Calma aí, pessoal! Vocês não perceberam que eu estou do lado de vocês?

– Rapidinho e sem papo, xará. Tamo fazendo o que você falô, vamo lá.

Ele esboçou um movimento brusco, um dos meninos precipitou-se e atirou. Levou três tiros no abdômen. Os meninos saíram em disparada, com a maleta e o blusão de frio. Ficou agonizando no chão.

Um deles ainda gritou:

– Aprendemo direitinho! Fizemo como o senhor mandou!

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Álvaro Andrade Garcia

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